Novembro e o toque da vergonha

O clima na recepção era tenso, o silêncio quebrado apenas pelo som ambiente tocando Homem Primata dos Titãs, afinal, macho que é macho não fica de bate-papo em sala de espera de consultório. E a música repetia baixinho: “desde os primórdios até hoje em dia o homem ainda faz o que o macaco fazia, eu não trabalhava, eu não sabia, o homem criava e também destruía”.

Quantas verdades numa música! Nós homens, nós machos, ainda repetimos velhos comportamentos estereotipados: Macho não tem muita frescura não, não chora nem fala de sentimentos, isso é coisa de mulher. Não vai à missa das 6 nem malha com as velhinhas na praça. Não anda de scooter. Homem que é macho vai ficando rabugento depois dos 50, não dá “bom dia” nem “boa noite”, “com licença” ou “por favor” é coisa de mulher. Homem que é macho só vai ao médico se estiver com o motor batendo biela (é levado no tranco!), pois essa coisa de médico todo ano também é coisa de mulher. Homem que é macho sequer vive o luto quando algum parente morre, aprendeu desde pequeno a encurtar corrente, a engolir o choro, além de não levar desaforo pra casa. Se algum dia já teve sentimentos não lembra, pois a dor de cotovelo era tratada com cachaça. Isso tudo começou no tempo em que o Methiolate ardia feito peste. Homem que é macho, não se cuida e... morre cedo!

De acordo com o Censo Demográfico de 2022, atualmente o Brasil tem 6 milhões de mulheres a mais do que homens. Dados estatísticos amplamente divulgados revelam que os homens vivem em média 7 anos a menos que as mulheres, e a novidade, segundo pesquisadores australianos, é que, além de fatores biológicos, nós homens, homens machos, nos arriscamos mais, sofremos mais estresse e vamos menos ao médico! Como se não bastasse essa masculinidade frágil que faz o homem acreditar ser invencível, muitas vezes é passada de geração a geração, de pai para filho, perpetuando-se as gambiarras ao longo do tempo a um preço alto demais, muitas vezes pago com a vida, tudo por acreditar num padrão distorcido de masculinidade imposto por uma sociedade de valores duvidosos, assim, esse mesmo homem que se julga infalível evita a todo o custo uma consulta de rotina com o urologista, temendo, sem qualquer razão justa, tornar-se menos “macho” com o toque retal. Apega-se, portanto, a um modelo falido de masculinidade que o levará à cova bem mais rápido que as curvas feitas a 120.

Segundo o site www.portaldaurologia.org.br, somente em 2021 foram registradas 44 mortes por dia causadas pelo câncer de próstata, tornando-se o segundo tipo de câncer mais frequente no Brasil, de acordo com o site www.radardocancer.org.br. (silêncio..................................................................................................................................!) Baixei a calça jeans e aquietei meus pensamentos por quase um minuto, quando fui chamado à realidade pelo meu médico: – Tá tudo bem, até o próximo ânus! O riso correu solto kkkkkk. Meu urologista era um piadista dos bons, não perdia a piada nem o paciente. Levantei a calça. Agradeci a “dedada” que levei e fui embora cheio de vida e sem vergonha do exame feito, fui planejar a próxima viagem, mas antes levaria também a moto para fazer a revisão periódica, afinal, manutenção preventiva pode salvar a vida do motociclista!

Nota do autor: Segundo os especialistas o toque retal complementa o exame de PSA prostático, o texto acima, ainda que num viés cômico, foi feito a partir de um tema muito sério para a saúde do homem, contribuindo para “acordar” os que ainda carregam tabus em relação ao exame da próstata.